O ÒRÌSÀ TEM OBRIGAÇÃO DE RESPONDER EM TODO FUNDAMENTO ?

Só no Brasil, na doutrinas de algumas casas de àse, o transe é obrigatório. Por exemplo: em atos como quando o recém-iniciado vem dar o Orukó (nome do Òrìsà) todos os Òrìsàs DEVEM manifestar. Quando toca para Osalá, todos eleguns DEVEM “virar”. No momento em que a Yalorixá da casa manifesta seu Òrìsà, todos os filhos TEM que “rodar”.
Tenho dificuldade em acreditar nos transes de hora marcada, repetida e exata. Quando rezamos, tocamos, dançamos, louvamos e convocamos nossos ancestrais no Xirê, estamos fazendo um convite às energias.
Logo, elas podem se fazer presentes de diferentes formas, não apenas no transe. O ser humano, no seu antropocentrismo, acha que pode mandar nas forças da natureza.
Isso não tem base na liturgia africana. É, pois, invenção que advém de uma hierarquia inspirada nos moldes católicos.
Além de compreender o seu estado de elo cosmológico como o único medidor possível da presença do Òrìsà.
Esse antropocentrismo é egóico e pouco espiritual.
Outro problema: conversando com diversas pessoas que “viram” no Òrìsà, mais de 90% dizem que fingem para não envergonhar sua Yalorixá ou babalorixá ou virar chacota na casa. Por quê? Porque é fisicamente e espiritualmente impossível determinar o fenômeno do transe.
Esse condicionamento possui suas falhas. Se não podemos forçar o transe, mas se exige que em determinados momentos ele obrigatoriamente aconteça, as pessoas irão fantasiar ou dramatizar o transe para corresponder expectativas. Isso cria uma ilusão coletiva para dar conta dum aspecto falho do tradicionalismo irrefletido.
Além de poder contribuir na produção de doenças psicológicas graves. Nina Rodrigues, no livro “O animismo fetichista dos negros baianos”, em 1896, já documentava casos de falsos transes nos terreiros.
O fato do elegun que não manifestou em determinado momento virar chacota, demostra a imaturidade espiritual das pessoas daquela comunidade. Torna-se fácil fazer o julgamento da espiritualidade alheia. Mas este deboche aponta mais a fragilidade espiritual do acusador do que a maturidade espiritual do apontado. Respeito sempre. Ninguém conhece todos os mistérios do Aiyê-Orum.
Ora, basta vermos quem em África a presença do Òrìsà é um acontecimento. Só um elegun (ou poucos) é “possuído”. Tem pessoas que passam a vida toda e nunca verão a manifestação de um Òrìsà. Esse transe coletivo é característico da cultura brasileira. Válido, mas carente de cuidados para saúde e bem estar dos eleguns.
Respeito todas as configurações doutrinárias dos cultos aos Òrìsàs na diáspora. Minhas observações e complexificações visam pensar transcendendo o aspecto endógeno tradicional, pois a vida das pessoas e sua saúde física, psíquica e espiritual é mais importante do que tradicionalismos.
Desejo sempre a manifestação livre e menos condicionada dos Òrìsàs. Precisamos sentir os Òrìsàs sem o antropocentrismo que ver no transe o único elo possível com os ancestrais primeiros.
Kaiala Quem não é Òrìsà de olhos abertos não pode ser Òrìsà de olhos fechados.
FONTE : TVR USM
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