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NO CANDOMBLÉ, ENVELHECER É UMA DÁDIVA


No candomblé, a velhice é sempre um ideal a ser atingido. Inclusive determinados elementos, como improdutividade, declínio físico e morte iminente, que constituem o modelo (negativo) de envelhecimento socialmente sugerido, nos terreiros passam a ser valorizados, uma vez que aproximam os “mais velhos” da ancestralidade – princípio sagrado e fonte de poder em nossa tradição.

Como dizia a saudosa Mãe Stella de Oxóssi, o velho é um herói, pois conseguiu vencer a morte que nos procura e ronda todos os dias

Existem no candomblé categorias específicas de hierarquia e poder, entre elas a dos “mais velhos”, que é, sem sombra de dúvidas, a de maior prestígio. Por se tratar de uma religião calcada nos princípios de senioridade e ancestralidade, a idade é considerada um fator preponderante na aquisição de conhecimento, tornando-se sinônimo de autoridade e força.
De acordo com o que se diz nos terreiros mais tradicionais, “idade é posto”. Isso significa que o lugar ocupado por alguém na hierarquia, isto é, o seu cargo, pode variar em seu grau de dignidade conforme o tempo de iniciação e de vida do postulante, o que, na prática, significa que quanto mais velho, mais alta e prestigiada a função de uma sacerdotisa ou sacerdote.
Apesar de ser um importante indicador na compreensão da velhice, a idade nos terreiros de candomblé não está relacionada apenas ao tempo cronológico. É preciso lembrar que estamos falando de uma religião iniciática, na qual o tempo de iniciação, que presume todo aprendizado adquirido ao longo dos anos, a memória, as vivências e os saberes transmitidos pelos “mais velhos” é fundamental na construção da autoridade e na manutenção do poder.
Disso podemos concluir que nos terreiros de candomblé “saber é posto”. Portanto, entender a categoria dos “mais velhos” nessa religião é uma tarefa complexa, sobretudo quando levamos em conta a forma como estão imbricados idade, senioridade, poder e saber. A dificuldade para explicar não reside na resolução de uma equação aparentemente simples que relaciona idade ao conhecimento, mas nos significados isolados de cada elemento e nos sentidos que vão adquirindo na prática de uma religião repleta de particularidades.
O candomblé vê e define os mais velhos de uma forma diferenciada, e esse é outro exemplo da maneira africana de pensar o mundo e as coisas. Na síntese de Roger Bastide, tudo no candomblé é símbolo e imagem. De onde decorre a seguinte pergunta: o que simbolizam os mais velhos? Considerando que os povos africanos concebem o universo como feito de energia, isso significa que toda matéria é portadora de axé, isto é, do poder de realizar, da força vital que se faz presente em todas as coisas, percorrendo também os grupos familiares e apresentando-se nos vivos e nos ancestrais.
Envelhecer é um mérito. Como dizia a saudosa Mãe Stella de Oxóssi, na cultura iorubá, o velho é um herói, pois conseguiu vencer a morte que nos procura e ronda todos os dias. Como se pode perceber, em nossa tradição, o significado de ser velho é bem outro e até a morte, enquanto condição para se tornar um ancestral, é vista positivamente. Aliás, de acordo com a filosofia iorubá, “os iniciados no mistério não morrem”. O axexê, ou seja, o ritual mortuário do candomblé, nada mais é do que a obrigação que faz do iniciado um ancestral. É, ao mesmo tempo, o rito derradeiro e o início de um novo ciclo.

FONTE :  Carta Capital

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