RJ TEM APENAS UMA MÃE DE SANTO AUTORIZADA A ENTRAR EM PRESÍDIOS: 'A CADEIA REPRODUZ O PRECONCEITO DA SOCIEDADE' - TVR USM

Breaking News

RJ TEM APENAS UMA MÃE DE SANTO AUTORIZADA A ENTRAR EM PRESÍDIOS: 'A CADEIA REPRODUZ O PRECONCEITO DA SOCIEDADE'

 

Entretanto, as medidas de isolamento da pandemia mantêm Mãe Flávia longe das cadeias.






RJ tem apenas uma mãe de santo autorizada a entrar em presídios


Na véspera do Dia da Consciência Negra, o RJ2 mostrou, nesta quinta-feira (19), o trabalho da única mulher que conseguiu permissão para levar as palavras de uma religião afrobrasileira até um presídio no Rio de Janeiro.

"No início, sim, há 16 anos, a gente teve dificuldade de ser aprovado pra prestar assistência afro-religiosa. Levamos mais de um ano perseguindo esse ideal e esse compromisso com nosso povo que se mantém ainda nas senzalas atuais, que são os presídios brasileiros", afirmou Mãe Flávia.

O artigo 214 da Lei de Execuções Penais prevê que "a assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados". Mas quando Mãe Flávia decidiu levar a umbanda para dentro dos presídios, ela notou que, ali, a palavra liberdade tinha limites até mesmo para quem não estava cumprindo pena.

"A cadeia reproduz o preconceito da sociedade. Então, a gente vive numa sociedade escravocrata, com 400 anos de escravização, e quem está aqui ainda são as pessoas que não foram libertas do processo abolicionista. Existe racismo contra tudo o que é do povo preto, do povo africano, do povo indígena", analisou a mãe de santo.

Como ela mesmo constatou, o único espaço que havia para assistência religiosa só estava preparado para receber sacerdotes católicos ou pastores evangélicos. Ainda hoje, eles são a grande maioria na assistência religiosa.

A Secretaria de Administração Penitenciária confirmou que Mãe Flávia é a única a levar uma religião afrobrasileira até os presos do estado.

Regras diferentes

Normas de segurança nas unidades prisionais impedem que o ritmo dos atabaques passem dos muros das cadeias. Por isso, a umbanda que entra nos presídios é bem diferente do pé no chão dos terreiros. Ainda assim, a umbanda dos presídios é repleta de mensagens de alívio e esperança.

"Essas mulheres foram violentadas a vida inteira. Então, quando a gente passa uma transmissão de conhecimento que pertence à tradição étnica delas, elas se sentem localizadas. Elas reconhecem essa fala ancestral. E sentem a força que a tradição africana e indígena transmite pra elas", ressaltou Mãe Flávia.

"Elas se emocionam demais, agradecem muito, tanto aqui dentro quando são soltas. Nos procuram dando vários testemunhos de agradecimento e o ambiente vibracional da cadeia muda completamente", acrescentou.

Segundo a religiosa, o reconhecimento pela mudança dentro dos presídios parte também da própria direção da cadeia.

"[Há esse reconhecimento] Porque é um ambiente de muita dor, de muito sofrimento, de muitas pessoas erradas, sim, a gente tem essa compreensão, mas como todas as pessoas erradas têm direito a uma segunda chance."

De convento a presídio

A Penitenciária Talavera Bruce é o presídio feminino mais antigo do Rio. Originalmente, o espaço era um convento, que foi transformado em uma penitenciária feminina. Agora, o material de limpeza antes entregue por Mãe Flávia às detentas tem que ser levado e deixado diante do portão.

Antes da pandemia, entravam não só as doações, mas também as palavras de conforto. O RJ2, antes da Covid, acompanhou uma visita na unidade. As presas já esperavam sentadas a chegada de Mãe Flávia, que falou às internas não só como líder religiosa, mas também como socióloga.

"Porque a maioria da população de favela estudou muito pouco. Porque muitas de vocês passaram por processos de violência, como eu passei também, e isso atrapalhou muito dos estudos da gente", ensinou a mãe de santo.

E Mãe Flávia escolheu trabalhar nos presídios femininos porque lá as visitas são bem mais raras. Segundo ela, muitas presas passam anos esquecidas pela família. Quem escolheu sentar nos bancos da reunião da mãe de santo é porque decidiu reconstruir o pouco que sobrou, a própria vida.



FONTE : G1

Nenhum comentário