BUSTO DE MÃE GILDA É NOVAMENTE DEPREDADO NA BAHIA

Delegada não registra como crime de cunho religioso
Busto de Mãe Gilda está localizado no Parque Municipal de Abaeté, em Salvador. Foto: Reprodução.
Na tarde desta quarta-feira (15), o busto de Mãe Gilda foi alvo de um novo ataque de racismo e intolerância religiosa. Um homem, que ainda não teve o nome divulgado, foi preso em flagrante enquanto depredava a estrutura em homenagem a líder religiosa. Essa é a segunda vez que o busto é alvo de ataques. O primeiro aconteceu em 2015, mas a obra foi restaurada e reinaugurada em novembro de 2016.
Iniciada na religião de matriz africana, candomblé, em 1976, Gildásia dos Santos inaugurou o Ilê Axé Abassá de Ogum, no bairro de Itapuã, em 1988. Mãe Gilda é conhecida como mártir da luta contra a intolerância religiosa, pois o seu falecimento se deu após entrar com uma ação contra a igreja Universal do Reino de Deus, por ter sua imagem associada ao crime de charlatanismo.
A ialorixá Mãe Jaciara Ribeiro, filha de Mãe Gilda, informou ao Notícia Preta que foi acionada por Aline Freitas, funcionária da Prefeitura de Salvador, que também entrou em contato com a polícia e o acusado foi preso em flagrante. Essa agilidade foi fundamental.
“É muito difícil em crimes desses a pessoa ser presa em flagrante. E esse ataque ao busto de Mãe Gilda é um ataque da violência que vivemos, do policial pisando no pescoço de uma mulher negra”, refletiu Mãe Jaciara de Oxum que durante o vídeo também afirma que o acusado da violação ao local também disse ter “agido a mando de Deus”.
Denuncia da intolerância religiosa feita por Mãe Jaciara
Advogada denuncia que o crime não foi enquadrado como de aspecto religioso
Mesmo diante de uma violência a uma estrutura em homenagem a líder religiosa do candomblé, que se tratava de uma mulher negra, o registro da ocorrência foi feito pela delegada da Central de Flagrantes, no bairro do Iguatemi, como um ato de dano ao patrimônio público exclusivamente. A advogada Gabriela Ramos, representante da filha biológica de Mãe Gilda, explicou sobre o registro policial em entrevista ao Notícia Preta.
“Eu fui conversar com a delegada porque ela registrou no BO, enquadrou no crime de dano ao patrimônio público, exclusivamente. Não enquadrou nenhuma violência de cunho racial, muito menos uma intolerância religiosa e eu tentei argumentar que ao menos deveria ter sido tipificado, segundo o artigo 208 do código penal, que diz respeito a vilipendiar objetos religiosos, pois não foi só o busto que foi depredado. E ainda assim, a delegada disse que quem mandava no inquérito era ela”, relata a advogada.
Confira o que diz o artigo 208 do código Penal brasileiro.
Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
O busto está no Parque Metropolitano de Abaeté, uma região gerida pela prefeitura. A advogada Gabriela Ramos ainda também informa que não recebeu uma cópia do BO, mesmo se identificando como representante legal da filha biológica da pessoa cujo o busto foi atacado [Mãe Gilda] e que independentemente disso, o inquérito policial é um procedimento em que o acesso é público, mas esse documento foi negado.
“Essa dificuldade de registrar o BO conforme a nossa compreensão de racismo religioso com certeza geram subnotificação e gera inclusive o negacionismo estatal em adotar medidas de políticas públicas mais efetivas no combate. Essa negação é também uma manifestação de racismo religioso. Esse racismo institucional, atravessado pela intolerância religiosa, tem diversas nuances a começar por quem sofre violência, depois por quem denuncia essa violência e quem acompanha quem denuncia essa violência, que é um corpo de mulher negra na condição de advogada, o tempo todo é violentada nesse processo. Hoje, por exemplo, a delegada me disse que iria falar em termos técnicos e também iria falar em termos mais simples para que eu pudesse entender. Presumindo ela que eu não teria condições de entender o linguajar técnico jurídico, sendo que eu sou advogada e fui apresentada nessa condição. É muito perverso”, desabafou a advogada Gabriela Ramos.
“Existe um estatuto da igualdade racial nacional e aqui na Bahia especificamente existe um estatuto de igualdade racial e do combate à intolerância religiosa do próprio estado. E esse estatuto prevê a criação de delegacias especializadas para crimes relacionados ao racismo e essas delegacias até hoje não foram implementadas. Nosso estatuto é de 2014”, explica a advogada que aponta a criação de delegacias como uma das formas de impedir que o racismo estrutural seja mais uma violência para quem já sofre ataques de outras ordens.
Em nota a Polícia Civil da Bahia informa que o acusado vive em situação de rua, demonstra sinais de distúrbios mentais e não evidenciou o motivo da violência ao monumento. Confira na íntegra:


A Central de Flagrantes lavrou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) sobre dano ao patrimônio público, cometido por um homem, conduzido por policiais militares após depredar o monumento, “Busto de Mãe Gilda de Ogum”, no Parque do Abaeté, no bairro de Itapuã, nesta quarta-feira (15). Com sinais de distúrbios mentais, o homem, que é morador de rua, não deixou claro o motivo do ato. O caso continuará sendo apurado pela 12ª Delegacia Territorial (DT), de Itapuã.
FONTE : Npreta
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