RJ - MADUREIRA RESISTE À PASSAGEM DO TEMPO E CONSERVA ARES DE SUBÚRBIO
Da riqueza do samba ao farto comércio e o ilustre baile charme, o orgulho transborda no bairro
Mercadão é símbolo do comércio agitado do bairro — Foto: Divulgação
Entre o Mercadão, a Portela, o Império Serrano e o mais carioca dos bailes, vive um bairro “das antigas”. Em suas ruas e esquinas, Madureira guarda ares de subúrbio, cheio de casas, vilas e vizinhos de porta, onde os prédios ainda são minoria. De acordo com dados do Censo 2022, 71,5% dos moradores vivem em casas. Em uma cidade cada vez mais verticalizada, prédios representam apenas 28% das residências por lá.
Tia Surica nem cogita deixar sua casa em Madureira — Foto: Divulgação
Figura ilustre do bairro, Tia Surica, de 84 anos, viveu em Madureira toda a sua vida e reside na mesma vila há mais de 60 anos. A baluarte da Portela é categórica ao afirmar a paixão por suas raízes.
— Não moraria em nenhum outro lugar. Estou do lado da minha Portela. Deus me livre morar em apartamento, aquilo é um presídio! Aqui, tenho mais espaço, conheço Deus e o mundo, falo com todos. Em apartamento, você só encontra seu vizinho no elevador, se encontrar — diz ela, um ícone do bairro e do Rio.
Nos grandes bairros da Zona Norte, Madureira perde só para a Pavuna, proporcionalmente, no quesito casa como domicílio mais comum, que tem 81% de seus habitantes vivendo em casas. Na comparação com Tijuca (19%), São Cristóvão (49%), Vila Isabel (30%), Bonsucesso (55%), Penha (65%), Méier (25%) e Irajá (50%), o bairro eternizado nos versos do imperiano Arlindo Cruz, com a música “Meu lugar”, sai na frente, com muito menos moradores em apartamentos.
Sobre a relação com os moradores da vila, Surica diz acreditar que os laços criados pela proximidade e os anos de convívio são essenciais, em todos os momentos:
— Aqui, me dou bem com todo mundo, posso dar meus pagodes, fazer minhas comemorações. Além disso, o vizinho é o parente mais próximo que você tem. Se você passar mal, até que algum familiar apareça, o seu vizinho já te ajudou.
É bem perto de Oswaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo, Irajá...
No meio da multidão que anda apressada pelas centenas de lojas do Mercadão de Madureira, entre sacolas e corre-corre, é impossível notar que o número de habitantes do bairro encolheu, mas é verdade. O Censo 2022 mostra 39.888 moradores. Há cerca de 15 anos, o cenário era bem diferente, com 50.106 habitantes, de acordo com o Censo 2010.
Tia Surica também ilustra outro dado sobre o bairro. Enquanto as crianças representam 10% do total, os idosos são 24%, quase um quarto da população, mostrando a tendência de envelhecimento por lá:
— Não vou sair daqui nunca, se Deus quiser. Nasci e cresci aqui. É meu lugar.
O que Madureira tem, afinal? Ex-presidente da Portela e apaixonado pelo bairro, Luis Carlos Magalhães resume:
— Madureira não quer ser Ipanema. Madureira quer ser daquele jeito ali. O bairro tem uma autoestima, que tem muito a ver com as escolas de samba. As pessoas têm orgulho de ser de Madureira.
Um gingado que deu no New York Times
Baile Charme de Madureira: NYT descreve que dançarinos de passos mais chamativos ficam à frente, para que os outros possam se espelhar neles — Foto: María Magdalena Arréllaga / The New York Times
“Os suíngues carregam um toque do balanço da bossa nova; os two-steps têm um sabor distinto de samba; e os saltos ousados do quadril canalizam o funk brasileiro”. Foi assim que o New York Times, um dos jornais mais importantes do mundo, descreveu os passos do Baile Charme de Madureira. Patrimônio cultural imaterial do estado, o tradicional reduto de dança sob o Viaduto Negrão de Lima foi destaque em uma página inteira da edição impressa e no site do jornal no último dia 3.
DJ do Baile de Madureira desde 1994, Michel Jacob contou que o grupo ficou honrado de representar a cultura brasileira em um dos maiores veículos do mundo:
— É muito louco imaginar que a gente possa fazer barulho a ponto de chamar atenção do lugar que é o berço do R&B, que é Nova York. É muito gratificante porque mostra a importância da cultura carioca. O charme é do Brasil, mas nasceu no Rio. É um prazer e uma honra inexplicável sermos apresentados dessa forma.
Por Elisa Soupin
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