'' A VIDA AGREGADA Á ANCESTRALIDADE E SEUS DEUSES''

A vida é agregada a valores que num todo faz do homem o ser mais completo diante de tantas adversidades que é posto, e mesmo assim se torna após a morte um orientador de sua família.
Enquanto Nanã caia no esquecimento, Màwú passava por novas metamorfoses. No século XIX, sob a influencia do cristianismo, veio a identificar-se com o deus dos católicos, e Líssa com jesus!
Mas, voltando à época de (1650-1800) é provável que coexistissem as duas divindades: as diversas Nanã, cultuadas nas aldeias do interior, e Màwú-Líssa, nas cidades para onde tinham sido trazidos pelas dinastias Ajá procedentes de Tado.
No século XVII os grandes vodun já eram conhecidos em toda a área Ajá. O nome de Líssa é mencionado pelos missionários capuchinos que estiveram em Allada em 1658. Os principais cultos, em Ouidah eram o culto de Dangbe, o de Loko, o de Hou (da família de Hevioso) e o de Agoye, divindade da adivinhação anterior a Fá. Estas divindades vinham de Tado: a serpente Dangbe foi trazida de Tado por uma mulher; Hevioso era cultuado pelo rei Tado.
Mas cada comunidade desenvolvia uma devoção particular por uma ou outra desta divindade, provavelmente por aquela associada à linhagem principal da aldeia; esses vodun deviam ainda permanecer mais ou menos restritos a seus clã de origem; não tinham ainda se tornado divindades interétnicas; sobretudo, os chefes de linhagem davam muito mais importância ao culto de seus antepassados e ao culto dos espíritos ligados às terras ancestrais. Tanto é que quando Do Aklin deixou Allada, não levou consigo nenhuma destas entidades.
Abriremos aqui um parêntese para acrescentar que os vodun, na origem, também eram antepassados divinizados. Com o passar do tempo os mais antigos dos antepassados transformavam-se em heróis míticos e acabavam sendo divinizados. Os ancestrais divinizados das linhagens de chefes e, sobretudo de famílias reais, passavam a exercer novas funções e adquiriam um status superior ao dos antepassados das outras famílias. Acabavam por se destacar de sua linhagem de origem.
O outro polo do nosso sistema, Sakpata, é a entidade coletiva que subsume uma multiplicidade de divindades locais, todas com o mesmo significado: representam o primeiro ancestral que fundou a comunidade, aquele que deu direitos sobre determinado território. Mas de qualquer forma ele representa a origem da cultura, da lei, do mundo humano e civilizado; é uma figura paterna que dispensa alimento e proteção a seus descendentes mais também castiga quem infringe sua lei retirando a prosperidade, a saúde, a vida que só ele pode dar. Secas, fome, epidemias são suas armas. Ele personifica a identidade e a continuidade de cada uma das pequenas comunidades agrícolas do Danxome.
Neste sentido pode parecer difícil distingui-lo de Aizã. Para alguns Aizã é o espírito do fundador sobrenatural de uma comunidade, clã, aldeia, linhagem. Seria o próprio Tohwíyó, ou segundo outros, o pai do Tohwíyó. Ás vezes ele chega a ser confundido com a sua sepultura, um pequeno altar de terra onde dizem que estariam enterrados os ossos do Tohwíyó. Aizã seria diferente de Sakpata porque Aizã é filho da terra, e Sakpata é a terra, e como tal anterior a Aizã. Em Allada, Aizã é um vodun que tem seu templo e seus iniciados. Seu altar é preparado ritualmente de acordo com os mesmos princípios que o altar das outras divindades.
Essas contradições provavelmente resultam da tendência para se confundir o fundador da linhagem e o da aldeia, o que se explica pelo fato das unidades locais serem também, frequentemente, grupos de parentesco.
Parece-nos que Aizã, Tohwíyó e Sakpata eram antigamente entidades do mesmo tipo. Sakpata deve ter sido, na origem o nome do Tohwíyó de algum clã de procedência yorùbá. A sua qualidade da ancestralidade de ancestral fica evidenciada pelo fato de ser frequentemente representado, plantam-no quintal da residência das linhagens rurais por uma grande pedra enterrada pela metade e junto à qual se alguns cactos que lhe são consagrados antepassados...Lembramos. Era o costume dos antigos habitantes da região representar seus antepassados por pedras nas quias concentrava-se a energia deles. Assim é que os Gédéví cultuavam uma grande pedra representando Igede, que os Dovi de Mitogbodji, no lago Aheme, cultuam uma pedra representando Golou, entidade que simboliza os que este costume parece ter sido também adotado pelos Yorùbá: existe em Ilé-Ifé um monumento megalítico dedicado a Oranyán que dizem, hoje, ser sua espada. Sakpata foi associado à varíola quando as epidemias começam a se propagar no país yorùbá, e ele já foi levado com esta particularidade para o país Mahi; ou talvez só adquirisse esta nova função depois de sua instalação em Dassa Zoumè. Introduzido em Abomey por ordem de Agajá, rapidamente congregou outros tohwíyó associados à terra, tornando-se o chefe e o pai do panteão da terra. “Sakpata é saudado como “Rei da Terra”, Rei das Pérolas”, “Dono de todas as riquezas”, ele é rei também do tremor de terra, pois ao ser mencionado o seu nome - o que normalmente todos evitam – a terra treme.
Para nos Sakpata é elemento de um sistema, inseparável de sua contra-parte e só adquire sentido ao ser relacionado com ela.
No Danxome, os deuses como os antepassados, estão em toda parte: nos bosque, nos riachos, nas árvores, nas colinas, na chuva, no trovão... A paisagem fervilha de símbolos e de sentidos. Tudo é legível; a ordem natural e a social se completam, se superpõem. O campo e a cidade estão repletos de santuários; oferendas entopem as lagunas e os riachos. Altares não faltam nas praças, nas encruzilhadas, mas também nos bosques, nos campos cultivados. Nas residências das linhagens veem-se os pequenos montes de terra representando Legbá, Aizã, Sakpata; folhagens de palmeira desfiada protegem as aberturas; cabaças penduradas e às vezes bandeiras brancas afastam Sakpata. O sistema religioso dos danxomeanos esta inscrito na paisagem, iminente à vida cotidiana.
Àcé Ðáhö Ayono
FONTE : Hungbònò Sylvio D'Ogum
Nenhum comentário