HISTÓRIA DE GRANDES MESTRES GRANDES GUERREIROS PUBLICADO PELO NOSSO QUERIDO IRMÃO NEY DO OXÓSSI. - TVR USM

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HISTÓRIA DE GRANDES MESTRES GRANDES GUERREIROS PUBLICADO PELO NOSSO QUERIDO IRMÃO NEY DO OXÓSSI.


Esse texto é apenas um pouco de minha história dentro do candomblé, alguns poucos momentos que vivi e estou descrevendo como forma de relembrar como era o candomblé antigo, eu tenho 42 anos de vida, todos eles dedicados aos Orixás ininterruptamente, ainda tenho muita história pra contar... e quero fazer isso aos poucos como forma de manter as tradições religiosas.

Ògá ou Ogã?

Esses dias eu aprendi com um amigo estudioso da língua yorubá, que a palavra ògá, que é o mesmo que ogã significa AUTORIDADE! Como a vida é um eterno aprendizado eu pude concluir mais uma vez que meus antigos realmente foram muito sábios, porque os ogãs que eu convivi durante minha vida toda foram verdadeiras AUTORIDADES dentro de nossa religião. Tendo voz ativa, atuação, domínio de suas obrigações, sempre contando com o respeito de todos os terreiros aonde chegavam, independente de onde fosse confirmado e de que Axé fosse. Sobretudo a figura dos ogãs sempre andaram juntamente às Iyalorixás e Babalorixás, onde cada um conhecia e respeitava o espaço do outro, trabalhando em conjunto para que o culto aos Orixás fosse mantido em sua forma mais tradicional e original.

Hoje vejo, que com tantas mudanças o Candomblé vem perdendo a essência. E a cada dia que passa não se sabe mais quem é quem dentro da nossa religião, o fato de querer se aparecer está valendo mais que o respeito ao Orixá, e a aqueles que os Orixás escolheram como PAIS E AUTORIDADE!

Na minha época, quando alguém era apontado pelo Orixá, naturalmente já era chamado de pai e respeitado como tal, porque ali já se determinava a função de alguém mediante a indicação dos nossos Deuses, e ninguém pode mais que os Orixás, acima Deles só Olorun!

Antigamente cada um exercia sua função de acordo com seu cargo, sem desrespeitar ninguém. Um mais novo não ousava a colocar em dúvida o que um mais velho ensinava. Ao contrário, o ensinamento era recebido como uma joia sagrada, e era guardado no ori para todo sempre, que era onde meus antigos me ensinaram a conservar o que aprendi.

Eu sou do tempo em que buscávamos a sabedoria no mais velho, a religião baseada no respeito ao antigo, se não valorizarmos o antigo então não seremos mais nada!

Simplicidade, respeito e união, sempre foram à base do Candomblé, ao ponto que todos se ajudavam e ninguém era melhor do que ninguém, independente de qual Axé fosse.

Isso foi o que vi e presenciei desde minha mais tenra idade, pois sou do candomblé desde o ventre de minha mãe Idalice Pereira dos Santos, mais conhecida como Délia de Oxum, onde por diversas vezes foi manifestada em sua linda Santa durante a minha gestação. Minha finada avó materna iniciada no terreiro do Cobre por Dona Flaviana há quase um século, quando não havia ainda nenhuma casa no entorno desse Axé, candomblé que admiro e que muitos pensam que é de ontem e irão morrer enganados! Sou filho do útero de Oxum, eu nasci filho de Orixá e cresci entre Eles e os terreiros de candomblé, em minha infância as brincadeiras eram de tocar os atabaques e encenar as festividades juntamente com meus irmãos, meus primos, que cresceram como eu, no Axé. Nos criamos literalmente dentro da cultura religiosa africana, onde até as comidas do dia a dia em muito eram as mesmas feitas para os Orixás.

Cresci correndo entre a Federação, Vasco da Gama, Alto do Gantois, Ladeira do Bogun, Muriçoca, Engenho Velho de Brotas, Dique Pequeno, Ferreira Santo, Sobradinho, Plataforma, Brotas… indo aos candomblés e admirando aqueles que sem eu saber já eram os meus mestres, me preparando inconscientemente para um dia poder cumprir o destino a que me foi imposto pela vida e que eu recebi e cumpro com prazer, que é de louvar e servir aos Orixás cantando e tocando.

Hoje digo com orgulho de quem foi bom menino e soube escutar e observar com calma os seus mestres, eu nunca dei um “já sei”, um “agora não” pra um mestre meu, nunca levantei um tom de voz, pois naquela época éramos corrigidos com rigidez, meu aprendizado se deu inicialmente com meu pai Erenilton Bispo dos Santos Elemaxó, que não poupou o aguidavi em momento algum para me corrigir, se antes eu sentia na pele a dor das varadas, hoje eu posso sentir na alma o regozijo, e agradeço ao meu pai por tudo que me ensinou, porque o prazer de louvar ao Orixá hoje é muito maior! Agradeço ao meu pai por ter me dado uma profissão digna e ensinado que o homem tem que buscar, ter, e manter seu trabalho, tenho por ofício principal a arte que meu pai bem me ensinou de construir, muito mais tarde me descobri profissional da música, também pelos conhecimentos adquiridos com ele, meu maior mestre!

Aprendi candomblé dentro de minha casa, dentro do meu axé, onde sou filho de santo e família, porém nunca perdi o respeito às outras casas de candomblé. 

Convivi com muitos e aprendi muito com meus mestres Edinho Carrapato, meu tio Candinho, Geraldo Macaco, Seu Urbano, Seu Januário, tio Cidinho (Exímio na condução de um axexê), tio Mirtinho, e principalmente minha saudosa tia e Iyalorixá Nilzete D'Yemoja, a quem eu nunca esqueço e mantenho em meu peito a gratidão, de ter me confirmado na função ao que os Orixás já haviam me indicado, e por achar que era de meu merecimento, me confiar o cargo de Eperinlode quando fui confirmado ogã de fato em minha casa de Axé!

Citei o nome de apenas alguns, mas não me esqueço de nenhuma ajuda, de nenhum ensinamento, quando canto uma cantiga me lembro imediatamente de quem me ensinou, em que momento foi, e fico feliz em ver minha trajetória repleta de pessoas que me viram crescer e me deram um pouco de si, principalmente minha tia Walquiria de Oxum, que sempre foi uma palavra certa quando precisei, ebome de meu Axé, que há alguns anos já se tornou agbá, que carrega em si a vivencia no axé e o respeito de todos. A também agbá, tia Ana de Ogum que me acolheu em São Paulo e por várias e várias vezes confiou o seu candomblé em minhas mãos, da mesma forma como vi minha tia Nilzete entregar o candomblé nas mãos de meu pai, de meu tio Mirtinho, meu tio Cidinho e por muitas vezes a mim, que toquei e cantei dezenas e dezenas de perfurés de yawo de minhas irmãs de santo que fizeram santo dentro de nossa casa de candomblé, quando meu pai e meus tios trabalhavam como verdadeiros homens de axé, eu assumia a frente com responsabilidade apesar de minha pouca idade juntamente com os meus primos ogãs do axé, Neucimar, Neilton conhecido como Pisquila, Nenem, finado Adeílson, nós sempre soubemos respeitar a ausência dos ogãs mais velhos, apesar de já frequentarmos e conhecermos outras casas, nunca tocamos e cantamos algo de outro Axé, deixando pura e intacta a essência de minha casa que vem desde de os tempos primórdios, e também mantendo o respeito na presença dos nossos antigos, nunca cantando sem autorização, e aceitando os ensinamentos com humildade.

Acompanhei minha tia e Iyalorixá Nilzete por muitos anos em diversos estados brasileiros onde ela era chamada para as obrigações de seus filhos de santo, em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e outros.

Me lembro com muitas saudades principalmente da centenária festa de Oxumarê, e tenho a honra em poder dizer que vi o lendário ogã Urbano, ogã de Yewá de minha bisavó, entrar o barracão todo vestido de branco, sentar perto do altar apreciando todo o xirê calado, e após a chamada dos Orixás com um adarrum tocado com maestria, o lendário Urbano se levantava e saudava Oxumarê bradando ARROBOBOI com tanta fé que seu corpo e rosto chegavam a estremecer. Quando minha irmã ROSA adentrava o barracão tomada pelo seu LINDO E MARAVILHOSO Orixá Oxumarê, o finado ogã Urbano, por sua antiguidade e importância assumia o candomblé, e cantava lindamente antigas e tradicionais cantigas do Axé. É vivo em minha memoria como se fosse hoje cada uma dessas cantigas, mas a que mais me marcou foi: Ewá ajan firissã, Ewá ajan firissã, epá… Porém esta como muitas outras cantigas já foram corrigidas pelos meninos de hoje, infelizmente estão destruindo o candomblé com o novo saber!

Hoje fico muito triste, pois nós Ogãs, as AUTORIDADES de outrora, atualmente somos considerados como os BONECOS DE ATABAQUE!!!

A falta de respeito ao posto dos OGÃS se tornou corriqueira, e isso vai se espalhando no candomblé atual como fogo de palha, vem num crescente tamanho que hoje fico perplexo pelo modo que somos tratados por certas pessoas, esses fatos me deixam indignado, porém deixo claro que não falo aqui de tratamento pessoal, mas sim de tratamento religioso, litúrgico, no barracão, função, cargo e Candomblé!

É por isso que hoje quase não se vê uma confirmação de um Ogã de fato, pois todos são feitos indiscriminadamente a necessidade, acredito que os Orixás nem querem apontar mais representantes para serem sujeitos sub julgados no candomblé de hoje.

A necessidade de se aparecer de alguns, acredito para se fazer um “marketing pessoal” é tamanha que impedem que os Ogãs façam a sua parte como sempre foi!

Mas fico me perguntando também: Como podemos desempenhar bem as nossas funções se para os os grandes sábios de hoje nada sabemos? Tudo está errado!

Com essa pergunta me vem outra dúvida: Se o Candomblé sempre foi uma religião que buscou sabedoria dos mais velhos, passada de geração para geração pelos nossos ancestrais, então se meus antigos não sabem nada quem é que sabe?

Se formos jogar pedra nos conhecimentos de nossos antigos estaremos jogando pedras em nós mesmos, tudo que está aí hoje é suficiente como religião, a “pseudo correção” vem só para acabar com as tradições, por isso alerto aos babalorixás e iyalorixás, que antes de sacerdotes são zeladores de uma cultura com mais de quinhentos anos, preservem o antigo e respeitem o que foi deixado!

A religião quando chegou ao Brasil não trouxe apostilas, livros, gravações, todo conhecimento veio nas cabeças das velhas tias e tios analfabetos, e nenhum deles aprendeu candomblé na faculdade, aprendia-se apenas ouvindo, e vivenciando o dia a dia do Orixá nos terreiros, e isso bastou pra reconstruir uma religião sólida com todos os seus orôs.

Como posso hoje, depois de uma vida inteira de dedicação aos Orixás ter que ouvir que tudo que recebi de ensinamento e orientação de meu pai Erenilton, de minha Iyalorixá Nilzete, e todos outros é errado? Então o que minha avó Simplicia D'Ogum fazia também era errado?

Meus antigos foram os primeiros a fazerem um xirê na antiga Bahia, o meu axé foi o primeiro a implantar a forma de como hoje TODOS os candomblés são conduzidos! Cada uma dessas cantigas junto com sua sequência foram passadas a mim por meus mais velhos, porém hoje esse xirê hoje também É ERRADO!!!

Eu, que ainda alcancei a repressão aos candomblés, e que por diversas vezes minha mãe me escondeu debaixo de suas caudalosas saias com a entrada do Juízado de Menores que só permitia nas festividades maiores de idade, eu que vi e presenciei vários candomblés como os de Dona Nicinha e Edvaldo do Jejê, Mãe Menininha, Luiz da Muriçoca, dona Olga Alaketu, dona Olga Kalossi, dona Baiana, dona Candoca, seu Camilo da Vila América, seu Bertinho do Tumba Junsara, Bebé do Buraco da Gia, Hélio do Gantois e Hubaldo que foi suspenso por Oxum de minha tia Walquiria, e que mais tarde foi levado por meu avô Hilário que era ogã do Gantois para se confirmar lá, provando mais uma vez a amizade e o respeito entre as casas e suas Iyalorixás, friso ainda que minha avó Simplícia tinha forte amizade e irmandade com Mãe Menininha e se ajudavam mutuamente dentro do axé sem que estas precisassem alterar em nada a tradição ritual de suas respectivas casas que já tinham sua forma de culto totalmente definida!

Não posso deixar de citar que tive a honra de ver e aprender com Finado Januário (NA ÉPOCA EM QUE OGÃ AINDA ERA ÒGÁ) um Alujá bem tocado de Aguidavi, que hoje não se vê e não se sabe mais, e que também hoje se tornou ERRADO... Errado sim, mas pra quem não teve a oportunidade de nada ver da antiga era, TUDO É ERRADO!!!

Muitas coisas eu sei das histórias que me foram contadas por meus mais velhos, porém a maior parte eu pude ver e presenciar dos antigos in loco, não os vi apenas por fotos e os escutei por fitas!

Saudades tenho de quando tudo era mais simples, mas se sentia o axé no cheiro do barracão, salpicado das folhas de axé que hoje foram esquecidas e trocadas pelos belos arranjos de flores,
saudades tenho de quando minhas irmãs de santo que moravam no entorno do axé chegavam manifestadas pelos seus Orixás ao som do toque do velho adarrum, que eu mesmo tocava chamando aqueles a quem eu amo e sou eterno serviçal, os Orixás, saudades tenho de quando os panos eram mais simples, mas que colocava em nível de igualdade todas as irmãs na roda, deixando o candomblé mais alegre e mais perto do sagrado, saudades tenho de quando os Ogãs eram unidos e falavam a mesma língua, saudades tenho de quando tudo era respeito e a voz do Orixá era aceita e determinada, saudades tenho, saudades tenho...

Estou esperando e me preparando para o dia em que vai ser normal abrirem a boca para cantar e chamarem os seus próprios Orixás, mas antes desse dia entregarei meu aguidavi a estes, sabedores do candomblé, formados em fita e caderno, cantores e também compositores, dominadores do yorubá sem que tenham história familiar africana alguma, sem que nunca tenham sentado num banco pra estudar a língua original, da mesma forma que meu pai fez com o mito PIERRE VERGER, onde meu pai ensinava cantiga e em troca aprendia um pouco mais da língua de nossos ancestrais africanos, hoje muitos se fazem sabedores e não conseguem trocar uma língua com o Santo.

Como nada sei assim como meus antepassados, não toco, não canto... e também não me envolvo, pois não é esse candomblé que aprendi a professar junto com os meus, que devem estar se revirando no caixão numa hora dessas...

A todos aqueles que fizeram parte de minha história dentro do axé o meu profundo respeito e gratidão, a esses o meu Kolofé, assim como era no principio, que também está errado para aqueles que chegaram agora!

Ilê Axé Oyá Messã Orum, fundado por
José bispo dos Santos, Pai Bobó de Iansã ( in memorian)

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